Curandeiras, sanadoras e bruxas: tradição de mulheres
Desde tempos remotos, a mulher tem
uma forte conexão com a natureza. Trabalhando a terra e adquirindo saberes
tradicionais no uso da herbolária, a mulher foi popularmente associada à
práticas de cura e caracterizada como feiticeira, curandeira, bruxa ou xamã.
Desde sempre as mulheres curaram. “Elas
foram as primeiras médicas e anatomistas da história ocidental. Sabiam provocar
abortos e atuavam como enfermeiras e conselheiras. As mulheres foram as
primeiras famacólogas com seus cultivos de ervas medicinais, os segredos de
cujo uso se transmitiam de uma para outra. E foram também parteiras que iam de
casa em casa e de povoado em povoado. Durante séculos, as mulheres foram médicas
sem título; excluídas dos livros e da ciência oficial, aprendiam umas com as
outras e transmitiam suas experiências entre vizinhas ou entre mãe e filha. As
pessoas do povoado as chamavam ‘mulheres sábias’, ainda que para as autoridades
eram bruxas ou charlatãs”¹.
Estes saberes estão ao mesmo tempo
depositados na memória coletiva de muitas mulheres campesinas e de origem indígena,
que não necessariamente foram curandeiras, sanadoras ou parteiras.
“A medicina forma parte de nossa
herança de mulheres, pertence a nossa história, é nosso legado ancestral”².
A história nos demonstra que a
perda desses saberes ancestrais se criou a partir do modelo que se deu nas
universidades durante o Renascimento. Nesse contexto, o conhecimento se tornou
científico, restando a essas mulheres, assim, valor aos saberes tradicionais,
recaindo todo o conhecimento exclusivamente nas mãos de homens e transformando
o corpo da mulher em um território de experimentos para a medicina moderna.
A esta razão se somam causas
religiosas, onde as portadoras desses saberes, curandeiras e bruxas, são
condenadas pela Inquisição e a Igreja Católica. As bruxas foram perseguidas
pelo conhecimento oficial que começou a se tornar institucional. Seus saberes
foram desvalorizados, “demonizados” e recluídos ao segredo. Se conservaram graças
à transmissão oral, de geração em geração, entre as mesmas mulheres que recorriam
a estes saberes quando necessitavam curar certos mal-estares ou simplesmente
decidir sobre seus corpos, como quando necessitavam assistência para um parto
ou um aborto.
Com a normatização do saber, o
corpo da mulher passa a ser o corpo do “outro”: do médico, do padre, do marido...
por fim, da ordem patriarcal.
Entretanto, esta tradição segue
viva na memória de muitas mulheres. A maior parte delas são indígenas e/ou
campesinas, as que conhecem em primeira mão as propriedades das ervas medicinais
e seu poder transmutador, mulheres portadoras de uma espécie de diálogo
silencioso e extraviado no meio da modernidade entre o corpo e a terra.
¹ EHRENREICH, B. e D. ENGLISH
(1973). Brujas, parteras y enfermeras, una historia de sanadoras. The Feminist
Press, EEUU, p.4.
² Ibídem.
Texto extraído e traduzido do livro
Del Cuerpo a las Raíces de Pabla Pérez, Inés Cheuquelaf e Carla Cerpa
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